sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

A natureza deixa-nos mesmo mais felizes


Estudos científicos dão-nos provas contundentes de que o tempo que passamos na natureza nos revigora tanto o cérebro como o corpo.

À medida que a sociedade ocidental se desenvolveu, afastámo-nos dos Grandes Exteriores, atribuindo mais importância às conquistas tecnológicas e às criações humanas. Há cada vez mais dados científicos que revelam que, ao afastarmo-nos da natureza, não só nos distanciámos dos problemas ambientais ao nível das crises, como também começámos a perder contacto com uma ferramenta vital para a nossa saúde mental. Ao negarmo-nos a passar tempo em espaços verdes, corremos o risco de rejeitar uma parte essencial do nosso legado — uma verdade que, ironicamente, agora conseguimos ver mais claramente graças aos avanços na tecnologia médica.

A ciência de vermos paisagens verdes

Curandeiros de várias alternativas medicinais, desde a medicina Ayurvédica da Índia até à medicina tradicional chinesa, têm defendido há muito a importância da natureza. De facto, em muitas culturas, é considerada uma forma de medicina. Mas a noção de que as árvores e as flores podem influenciar o bem-estar psicológico permaneceu em grande parte por ser testada cientificamente até 1979, quando o cientista comportamental Roger S. Ulrich analisou a influência mental das paisagens naturais em estudantes stressados. Os seus testes psicológicos mostraram diferenças nos estados mentais e nas perspectivas pessoais depois de os estudantes visualizarem vários cenários ambientais. As imagens da natureza aumentaram sentimentos positivos de afecto, brincadeira, amizade e euforia. Por outro lado, as paisagens urbanas cultivaram destacadamente uma só emoção nesses estudantes: tristeza. A visualização da natureza tendia a reduzir sentimentos de raiva e agressividade, e as paisagens urbanas tendiam a aumentar esses sentimentos. Encorajado pelos seus resultados, Ulrich organizou uma experiência semelhante para medir a actividade cerebral em adultos saudáveis e não stressados. A sua equipa descobriu que ver paisagens naturais estava associado ao aumento da produção de serotonina, um químico que actua no sistema nervoso. Quase todos os medicamentos antidepressivos são considerados eficazes ao melhorar a disponibilidade de serotonina para uso na comunicação entre células nervosas, daí o seu apelido, "o químico da felicidade". Um estudo de seguimento mostrou que os espaços verdes actuavam como uma espécie de Valium visual: as paisagens da natureza fomentavam pensamentos positivos e reduziam a raiva e agressividade pós-stress.

Muitos outros investigadores contemporâneos recorreram a testes objectivos para apoiar o trabalho pioneiro de Ulrich:

  • Num dos estudos, adultos mais velhos num centro de cuidados residenciais no Texas participaram das mesmas actividades mentais em dois contextos — uma vez num jardim e outra vez numa sala de aula interior. Demonstrou-se que os participantes produziram níveis mais baixos da hormona do stress, cortisol, enquanto estavam no jardim.
  • A presença de plantas numa sala, principalmente plantas com flores, pode melhorar a recuperação do stress induzido por um vídeo emocional, trazendo rapidamente a actividade das ondas cerebrais aos níveis normais, descobriram investigadores da Universidade Estatal do Kansas.
  • Um grupo de investigação de Taiwan relatou que paisagens de quintas rurais estão associadas a uma maior actividade das ondas alfa, principalmente na parte direita do cérebro, que tem sido associada à criatividade. Paisagens de florestas e paisagens naturais com água promovem a actividade das ondas alfa e diminuem a frequência cardíaca. Por outro lado, às paisagens urbanos foi associado um aumento na tensão muscular.

Banhos de floresta

Entre as muitas razões para preservar o que resta das nossas florestas, destacam-se os aspectos mentais. Em 1982, a Agência Florestal do governo japonês lançou o seu plano de shinrin-yoku. Em japonês, shinrin significa floresta, e yoku refere-se aqui a "banhar-se". De forma mais ampla, é definido como "absorver, com todos os nossos sentidos, a atmosfera da floresta". Em 1990, o Dr. Yoshifumi Miyazaki da Universidade de Chiba levou a cabo um pequeno estudo de teste de shinrin-yoku na bela paisagem de Yakushima, lar das florestas mais veneradas do Japão. Miyazaki encontrou níveis mais baixos de cortisol nos sujeitos de estudo após ests terem efectuado caminhadas na floresta, comparado com aqueles que caminharam no ambiente controlado do laboratório.

Desde então, investigadores universitários e governamentais no Japão têm colaborado em investigações pormenorizadas, incluindo projectos para avaliar marcadores fisiológicos enquanto os sujeitos de estudo passam algum tempo entre árvores. Estes estudos confirmaram que passar algum tempo num ambiente florestal pode reduzir o stress psicológico, sintomas depressivos e hostilidade, ao mesmo tempo que melhora o sono, e aumenta o vigor e a sensação de vivacidade. Estas mudanças subjectivas correspondem a resultados objectivos reportados em quase uma dúzia de estudos — que uma pressão arterial mais baixa, as pulsações e os níveis de cortisol acompanham o tempo passado entre árvores e flores. As hormonas de stress podem comprometer os nossos sistemas imunitários, principalmente as actividades dos defensores de primeira linha, como as células antivirais. Graças ao facto de banhos de floresta poderem reduzir a produção de hormonas de stress e elevar o humor, não é surpreendente que isto também influencie a força do sistema imunitário.

Plantas, dores e doença

Em 1984, Ulrich publicou um estudo pioneiro na prestigiada revista Science, no qual examinou os registos de adultos que tinham sido submetidos à mesma cirurgia de vesícula biliar no mesmo hospital. A única grande distinção entre os pacientes era o quarto para o qual foram levados para a recuperação. Os quartos de um lado do hospital tinham janelas com vista para uma minifloresta, enquanto que os quartos do outro lado ofereciam uma vista radicalmente diferente para tijolos vermelhos. Os resultados foram bastante relevantes: aqueles que tinham uma vista exterior para árvores tiveram estadias hospitalares significativamente mais curtas, menos queixas pós-cirúrgicas e conseguiram gerir a sua dor com aspirina em vez de com narcóticos. Outros estudos confirmaram as descobertas de Ulrich. Entre eles:

  • Uma investigação norueguesa mostrou que ter uma planta no local de trabalho de um escritório ou à vista diminui significativamente a quantidade de baixas médicas por parte dos trabalhadores.
  • Uma investigação publicada em 2008 no Journal of the Japanese Society for Horticultural Science mostrou que tornar mais verdejantes as salas de aula do ensino secundário seleccionadas para o estudo com plantas em vasos reduziu significativamente as visitas dos alunos à enfermaria da escola, comparativamente ao número de visitas dos alunos que frequentavam aulas em salas sem plantas.

Bairros verdes

Projecções da Organização Mundial de Saúde indicam que em menos de 20 anos, 75% da população mundial viverá em ambientes urbanos, em comparação com a distribuição actual de cerca de 54% de habitantes urbanos. A capacidade potencial de um único factor — o tempo na natureza — para contrariar uma cascata de hormonas de stress terá implicações enormes tanto para nós como para as gerações futuras.

Dado que muitos aspectos da saúde humana e até mesmo a longevidade são negativamente influenciados pelo stress, deduz-se que os espaços verdes promovem a saúde, a vitalidade e a longevidade humana. Muitas investigações confirmam-no. Quanto mais perto a nossa família vive de um espaço verde, mais saudável é provável que seja e mais longa será a vida que provavelmente terá. Estar na natureza por períodos breves — mesmo que seja só tê-la à vista — pode reduzir a enxurrada de hormonas de stress e melhorar as defesas imunológicas.

O nosso cérebro na natureza

Os críticos poderiam sugerir que os sujeitos de estudo que relatam uma melhoria do humor ao visualizar paisagens naturais estavam só a assinalar as caixas certas para irem ao encontro das expectativas dos investigadores. O verdadeiro teste objectivo seria a capacidade de entrar no cérebro e analisá-lo enquanto está focado na natureza.

Na década de 90, investigadores na Califórnia obtiveram essa capacidade ao utilizar a ressonância magnética funcional (MRI), uma técnica sofisticada de imagem cerebral. Os seus resultados mostraram que paisagens da natureza esteticamente agradáveis activavam uma parte específica do cérebro rica em receptores opioides. Estes receptores conectam-se às células cerebrais dentro do sistema de recompensa da dopamina e têm o potencial de desencadear sentimentos de bem-estar e de impulsionar a motivação necessária para um comportamento mais positivo.

Isto foi uma descoberta incrível, revelando que a natureza age como uma pequena gota de morfina para o cérebro. Embora sejam mais conhecidos por inibir a dor, os receptores opioides fazem muito mais que isso. Quando activados, as pessoas têm menos probabilidade de se aperceberem como estressadas, ficam mais propensas a formar laços emocionais, e tendem a focar-se menos em memórias negativas.

Em dois estudos separados, investigadores coreanos utilizaram imagens para avaliar padrões de activação cerebral enquanto os sujeitos de estudo visualizavam paisagens urbanas ou naturais. No primeiro estudo, a visualização das paisagens urbanas resultou numa actividade mais pronunciada na amígdala, um centro no cérebro mais frequentemente associado a sentimentos de medo. A hiperactividade deste centro tem sido ligada à impulsividade e à ansiedade. Além disso, o stress crónico e o cortisol podem promover actividade na amígdala, e nesse estado hiperactivo, tendemos a priorizar selectivamente a memória de eventos e experiências negativas. Isto torna-se num ciclo vicioso: o mundo parece ser um pouco mais assustador e deprimente, e as nossas memórias dominantes confirmam tal como sendo verdade. Quando a amígdala está constantemente excitada, alimenta a sensação de medo no cérebro. A boa notícia é que podemos recuperar o controlo reconhecendo os nossos processos de pensamento e colocando-nos em ambientes que irão reduzir o medo.

Quando estudos de grandes populações que indicam um efeito de amortecimento do stress são sobrepostos a estudos que usam avaliações subjectivas e objectivas de humor e stress — e quando esta informação é, por sua vez, sobreposta a dados hospitalares e estudos de imagiologia cerebral — a destaca-se a influência da natureza. E quando se junta a isto as dezenas de estudos de banhos de floresta do Japão, o argumento de que passar tempo na natureza não tem consequência na saúde e fisiologia humana torna-se impossível de manter.

Os resultados destas investigações científicas deveriam despertar em todos nós a importância de preservar a natureza. O bem-estar dos indivíduos e das nações — e claramente do planeta — depende do reconhecimento de que o contacto com a natureza é essencial para a saúde humana.

Eva M. Selhub e Alan C. Logan

A Dra. Eva M. Selhub é associada clínica no Instituto Benson-Henry de Medicina Mente e Corpo no Hospital Geral de Massachusetts e professora na Faculdade de Medicina de Harvard. Alan C. Logan é médico naturopata, cientista e investigador independente. Este artigo baseia-se num excerto do livro de ambos, Your Brain on Nature: The Science of Nature’s Influence on Your Health, Happiness and Vitality, disponível em www.HarperCollins.ca.

© Mother Earth News | traduzido sob expressa autorização, publicado originalmente no nº 273 Dezembro de 2015/Janeiro de 2016.

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