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sábado, 14 de dezembro de 2024

Casas, habitadas por famílias isoladas de um mundo hostil


Nas curvas acentuadas da montanha, lá vão eles, com focinho e cauda, como tantos elefantes de circo, a mover-se lentamente. Os emblemas da Good Sam nos seus enormes traseiros de fibra de vidro identificam aqueles no interior como sendo pessoas claramente simpáticas. Observa as antenas de televisão dobradas e achatadas nos seus tectos, prontas a serem desdobradas instantaneamente à chegada, não importa onde estas barcaças decidam assentar. Não tenho nada contra autocaravanas, per se, excepto o facto de que são "casas", habitações principais. Habitantes de apartamentos, suburbanos, agricultores das planícies, mecânicos, trabalhadores da era aeroespacial, uma amostra da América, podemos encontrá-los em qualquer fim de semana, durante todo o Verão, a viajar nas suas casas de 4 ou 8 rodas.

"Mas que mal é que isso tem?", perguntas tu. 

Nada, respondo eu, excepto... 

As casas, abrigos primários, têm todas as coisas boas da vida americana: comida, aparelhagens, revistas que assinaram, paredes, janelas, cozinhas, chuveiros quentes, camas de tamanho king, salas de estar, armários, lavandaria, sala de jantar, escritório, sala de trabalho, sala de jogos, todas habitadas por famílias isoladas de um ambiente maioritariamente hostil. Muito agradável.

Agora aceita a premissa de que se pode acoplar uma habitação principal, com todas essas comodidades, a um chassi de camião de 1 ou 2,5 toneladas e tens uma casa motorizada, uma autocaravana. Muito agradável.

Segue-se que essas habitações principais sobre rodas, habitadas por essas mesmas famílias, movem-se em massa para "acampar" enquanto desfrutam dos bosques, das montanhas, do deserto, da costa, ainda protegidas da realidade hostil do mundo real.

Aqui estão alguns episódios da minha experiência pessoal: 

Estou a acampar com a minha família ao estilo mochila às costas. Caminhamos, pescamos e observamos as estrelas. ("Qual delas é a Estrela Polar, pai?") Dei algumas instruções às crianças. Mas agora já é de noite. Terminámos um jantar cozinhado num fogão de acampamento do Serviço Florestal. Estou a tocar banjo e estamos todos a cantar — mais a uivar para a Lua — mas a desfrutar de uma fogueira, de um café quente e de guaxinins curiosos. Uma autocaravana chega ao acampamento e manobra trabalhosamente para conseguir estacionar. O motorista, uma figura escura, salta, vai até à traseira do veículo e liga um gerador eléctrico. R-R-Rrrrrrrrrrrrrr...!

Abafou a nossa cantoria. O dono da carrinha habitável voltou para a sua casa de alumínio e espuma isolante. Uns segundos mais tarde, o brilho azul-branco de uma televisão acesa permeia o espaço dentro e fora da carrinha, ofuscando as estrelas. 

Uma outra vez, quando era mais novo, consideravelmente mais resistente e certamente mais imprudente, estava a viajar de mota sozinho — isto é, só com algum equipamento leve para cozinhar e dormir. Nesse dia específico, ao pôr do sol, estava a 15 milhas do parque de campismo onde planeava ficar. Era Dezembro, muito frio, tão frio que lanças de gelo penetravam as minhas várias camadas de couro e roupa térmica, até aos ossos. No acampamento, o meu saco-cama de penas de pato era simplesmente desadequado. A minha garrafa de água congelou por completo. Tremi tanto que não conseguia dormir, mas nunca esquecerei aquela noite com a Via Láctea tão clara e próxima que quase lhe conseguia tocar enquanto arqueava pelo céu. E uma fila de nuvens, sopradas dos picos de 10.000 pés nas proximidades, voava num majestoso comboio rumo ao México. Pela manhã, a terra, as árvores e eu próprio fomos cobertos por uma leve camada de flocos de neve que reflectiam a luz das estrelas. O Sol nasceu e a neve derreteu quase de imediato. Pude ver vapor quente e húmido a sair da ventilação do chuveiro da caravana no espaço de campismo ao lado. À medida que o Sol subia e o frio diminuía, preparei o peque-almoço — chili quente. Por essa altura, a senhora da carrinha ao lado saiu. Abraçando-se a si mesma, caminhou até ao meu acampamento minimalista e disse, sorrindo, amigável: "porra, que está fresquinho, não está?"

Nenhuma das famílias destas carrinhas habitáveis descritas acima tinha visto a Lua, criaturas selvagens, a Via Láctea, as nuvens ou a neve, nem tinha feito música com as próprias vozes, ou aprendido a localização da Estrela Polar. Não, elas tinham trazido as suas casas consigo para se protegerem e isolarem do ambiente. Temperatura controlada, televisão, frigoríficos e fogões mantinham-se entre essas pessoas e os elementos, a magia e as travessuras da Terra. Estas pessoas poderiam muito bem ter ficado em casa. Elas não encontraram nada, não ganharam qualquer experiência. Elas estiveram, bem visto, em casa o tempo todo.

O que farão estas famílias quando, como resultado de desastres, cataclismos ou conflitos, os seus abrigos principais forem destruídos, tornando-se inabitáveis? Os inexperientes, os isolados, aqueles que só sabem estar sempre "em casa", perecerão, sem saber como lidar com um mundo sem casas.

Aqueles de nós que se chamam de sobrevivencialistas devem, a cada oportunidade, transformar cada experiência numa oportunidade de aprendizagem, de sobrevivência em situações da vida real que não são, de modo algum, como estar em casa.

Dave Epperson

© American Survival Guide, Vol. 6 Nº 6, Junho de 1984.